Por Fabio Augusto Mello Peres*

Ganhou contornos de polêmica o julgamento a ser concluído, em breve, acerca da retirada do Brasil da Convenção 158 da OIT. Muita gente, atabalhoadamente, já estava achando que a dispensa sem justa causa desapareceria do ordenamento jurídico brasileiro, descrevendo um verdadeiro cenário de caos para a economia. Aprofundemos, pois, o estudo para saber exatamente o que está em jogo.

Primeiro, é necessário saber o que é uma convenção da Organização Internacional do Trabalho. Essa organização, a primeira da história moderna (resultado do Tratado de Versalhes, que pôs fim à I Guerra Mundial entre a Alemanha e os países da Éntente – 1919), tem a função de definir quadros comuns de legislação trabalhista e possui caráter tripartite, ou seja, dela participam representantes de governos, de empregadores e de empregados.

A OIT emite vários documentos legislativos, aos quais, em princípio, os países-parte não são obrigados a incorporar a suas legislações nacionais. Os mais importantes desses documentos são as convenções, que podem ser ratificadas pelos Estados, o que lhes dá força de lei interna e possibilita que o país descumpridor seja denunciado e julgado pela organização. Atualmente, a OIT tem 189 convenções e o Brasil é signatário de 82 delas, que versam desde saúde e segurança do trabalho até direitos dos povos originários.

Para que uma convenção tenha essa força de lei, segue-se o longo procedimento normal de qualquer tratado internacional: é necessário que o país a assine no plano externo por meio de seus representantes externos, o Congresso a aprove, o Executivo a ratifique e promulgue, e que haja o chamado “depósito” na Organização, que escrutinará o número mínimo de signatários internacionais. Observados todos esses requisitos, é como se a Convenção virasse lei interna.

A Convenção 158 versa sobre “Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”. Foi aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho, órgão decisório máximo da organização, em junho de 1982. Atualmente, a Convenção é vigente em 35 países (dentre os quais Finlândia, Austrália, França, Espanha, Portugal, Suécia e Turquia) e objetiva regular a rescisão contratual por iniciativa do empregador, prevendo que “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

Na prática, a C158 não proíbe a dispensa sem justa causa. Prevê, apenas, que haja um motivo para que ela ocorra legalmente, devendo cada país arrolar quais seriam esses motivos (desempenho ou mau momento econômico da empresa, por exemplo).

O Brasil foi um dos países que assinaram originalmente a Convenção em 1982. A sua aprovação pelo Congresso ocorreu em 1992, a ratificação pelo Executivo, em 1995, a promulgação e depósito, no começo de 1996 e a denúncia, em novembro do mesmo ano. Noutras palavras: a vigência no ordenamento brasileiro durou poucos meses. A denúncia foi questionada por organizações sindicais (ADI 1625), que alegam que a denúncia não teria observado o rito comum de denúncias de tratados internacionais, que deve guardar paralelismo com a ratificação, com autorização congressual.

A forma de denúncia, efetivamente, não possui previsão nem na C158 nem na Convenção de Viena sobre Tratados de 1969. Esta prevê genericamente que “um partícipe em dado tratado internacional exprime firmemente a sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriormente firmado”, sem disciplinar como se deve dar internamente em cada país. Por outro lado, a Constituição prevê que é do Congresso Nacional a competência exclusiva para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Há debate nisso entre os doutrinadores de Direito Internacional – Valério Mazzuolli e Francisco Rezek dedicam muitas páginas de suas obras de referência ao tema.

O então Presidente FHC – responsável pela ratificação e pela denúncia – deve ter embasado seu entendimento em um parecer de Pontes de Miranda, de 1926, sobre a saída do Brasil da Liga das Nações, segundo o qual a vontade do Executivo de se desengajar de um compromisso internacional seria suficiente para a denúncia, seguindo uma interpretação que se popularizou à época de que os Juízes do Trabalho iriam ter a prerrogativa de determinar a reintegração de empregados dispensados sem justa causa.

Seja como for, ainda não sabemos qual será o resultado do julgamento do STF, o qual está, na prática, parado desde 2002. Ainda faltam os Ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça. O placar está 3 votos para a rejeição da ação, 3 para o seu acolhimento e 2 no sentido de que o Decreto deve ser analisado pelo Congresso.

*Fabio Augusto Mello Peres é advogado, sócio trabalhista de Brotto Campelo Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp e membro relator da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR, coordenador do Grupo de Trabalho de Relações de Trabalho de Novas Tecnologias.

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