O dever de sigilo e de ética profissional nos tempos da ultraexposição virtual
Por Fabio Augusto Mello Peres, sócio e advogado trabalhista do Brotto Campelo Advogados
O Brasil tomou conhecimento, chocado, de duas violências sofridas pela atriz Klara Castanho: um estupro, do qual resultou uma gravidez, e a exposição da intimidade e da decisão de entregar o bebê para adoção, dentro dos trâmites legais. Para além da discussão do “jornalismo” (as aspas são propositais) praticado, do direito à privacidade a ela negado e do absurdo julgamento a que as redes sociais submeteram a atriz, vejamos as questões trabalhistas envolvidas no caso.
As informações que se tem até o momento são de que uma enfermeira do hospital onde ocorreu o parto contatou, por intermédio de seu marido, vários portais de notícias na Internet para vender a informação. Depois de várias negativas, uma blogueira e um colunista acabaram divulgando o fato, do que decorreu toda a exposição.
Klara Castanho
Imagem: Reprodução/Instagram
Se essas informações estiverem corretas, a enfermeira deve ter seu contrato de trabalho com o hospital rescindido por justa causa, com fundamento no art. 482, “g”, da CLT – violação de segredo da empresa. Esse caso, aliás, não é o primeiro que gerou exposição da intimidade de paciente de fama. A ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva também teve quebrado seu direito à intimidade por uma médica que vazou o prontuário da paciente num grupo de WhatsApp, comportamento que também foi punido com rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
Em tempos de ultraexposição das mídias sociais, o empregado tem acentuado o dever de preservar todos os segredos e dados sensíveis com os quais trabalha, nos termos das previsões da Lei Geral de Proteção de Dados. De fato, a LGPD possui uma miríade de instrumentos para evitar e/ou punir vazamentos que devem ser sistematizados pelas organizações e pelos seus empregados. Além disso, a conduta dos trabalhadores deve seguir os estritos mandamentos da ética profissional (a qual, parece-me, foi seriamente maculada nos exemplos citados acima).
Os enfermeiros e médicos possuem códigos de ética promulgados pelos conselhos profissionais. Porém, a empresa deve cientificar os empregados de profissões que não os possuem dos seus deveres éticos e de manutenção de sigilo, desde um garçom que não pode vazar o local em que determinada pessoa almoça costumeiramente até um trabalhador de um plano de saúde que não pode vender dados dos clientes para uma fábrica de remédios, por meio de códigos internos de conduta e das previsões da LGPD.
Evidentemente, as consequências da quebra de sigilo de um profissional de saúde e de um profissional do ramo de gastronomia são diferentes – e isso deve ser considerado no momento de uma sanção disciplinar trabalhista –, mas o princípio deve ser o mesmo, que é a demonstração da importância do sigilo profissional numa época de intensa violência simbólica contra os direitos de intimidade e, principalmente, contra os direitos das mulheres. Manifestamos nossa integral solidariedade à atriz e votos que as condutas criminosas praticadas contra ela sejam esclarecidas e exemplarmente punidas.
Fabio Augusto Mello Peres é advogado, sócio trabalhista de Brotto Campelo Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp e ex-integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR.