Doação de imóvel para filhos não caracteriza fraude caso a família continue residindo nele
Por Enrico Furtado Bianco, graduando em Direito
Após julgar um recurso interposto – REsp 1.926.646 (2020/0335315-4) – por devedores de mais de 2 milhões de reais, a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) considerou que os imóveis doados do devedor aos filhos não caracterizam fraude.
O credor, uma instituição financeira de São Paulo, ajuizou uma ação para a cobrança de uma cédula de crédito bancário não paga por outra empresa. No curso do processo, foi descoberta a doação de alguns imóveis da empresa devedora para seus três filhos. Com isso, o credor pleiteou pela anulação das transferências dos bens, alegando que as doações foram fraudulentas.
Como o Juízo de origem reconheceu as doações como fraude, o devedor levou a questão até o STJ suscitando que a Corte Paulista considerasse a impenhorabilidade dos bens, por se tratar de bem de família.
A esposa do devedor e os filhos, que receberam os imóveis por doação, também recorreram ao STJ, argumentando que não são devedores e defendendo que seus imóveis não podem ser atingidos pela ação.
A Ministra Nancy Andrighi, ao analisar os recursos, entendeu que, em cada caso, o Juiz deve ponderar entre a proteção do bem de família e os direitos do credor. Em sua análise, a relatora observou que o principal critério para identificação de fraude contra credores ou à execução é a ocorrência de alteração na destinação original do imóvel ou de desvio do proveito econômico.
Neste caso, os imóveis permaneceram na posse das mesmas pessoas, mantendo sua destinação (moradia), não demonstrando prejuízo ao credor ou intenção fraudulenta, mas sim caracterizando bem de família.
Assim, a Ministra afirmou que a doação da cota que pertence a esposa do devedor (50%) não se comunica com a ação proposta e deve ser protegida pelo instituto do bem de família, isto é, impenhorável.
Por unanimidade, o voto da relatora Ministra Nancy foi confirmado pelo colegiado do STJ e, na prática, traz mais segurança ao planejamento patrimonial de famílias diante de eventuais dívidas.