A negativa de pagamento de seguro decorrente de morte por COVID-19. Direito ou abuso?
Por Eduardo Henrique Sabbag Hampel, advogado nas áreas de direito civil, imobiliário, empresarial e contratual
Um dos efeitos mais nocivos da pandemia da COVID-19 é a morte de milhões de cidadãos no Brasil e no mundo. Uma boa parcela dessa população possuía apólices de seguro de vida com o objetivo de proteger seus entes queridos nesse momento tão complexo e doloroso. Ocorre que algumas seguradoras estão negando o pagamento do capital segurado sob a alegação de que a pandemia é causa excludente de responsabilidade. Mas essa interpretação das seguradoras está correta? Ao que nos parece, não, conforme demonstraremos nos próximos parágrafos.
As seguradoras, embasadas pela SUSEP, comumente, estabelecem em suas cláusulas e condições gerais a exclusão de cobertura por riscos decorrentes de epidemias e pandemias.
A exclusão desses riscos, no entanto, pode ser considerada ilegítima e prejudicial aos segurados/consumidores, pois, além de violar o princípio da boa-fé objetiva, descumpre a o disposto no artigo 757 do CC, que, em linhas gerais, determina que a segurador se obriga a pagar o capital contratado.
Sensível aos efeitos da pandemia e dessa exclusão de responsabilidade, o Senado Federal, por meio do Projeto de Lei nº 2.113/2020, da Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) aprovou, em 20/05/2020, a inclusão das mortes decorrentes da pandemia de coronavírus na cobertura dos seguros de vida ou invalidez permanente. Esse projeto, que atualmente está em trâmite perante a Câmara dos Deputados, acrescenta o artigo 6º-E na Lei 13.979, de 2020, e determina que o seguro, inclusive os celebrados anteriormente à lei, não poderá conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente de emergência de saúde pública.
Entretanto, independente da aprovação da referida Lei, ainda assim as seguradoras não podem se negar ao pagamento do seguro por morte decorrente de COVID-19, eis que referida negativa ofende os princípios da boa-fé (art. 422 e 765 do CC) e as disposições do Código de Defesa do Consumidor (arts. 6º, III, 30, 47, 51, I, §, 1º, 54, § 4).
Ainda que o Tribunal de Justiça do Paraná não tenha se deparado com situações específicas sobre pandemia decorrente da COVID-19, possui entendimento de que a existência de cláusulas restritivas de direito, sem o prévio conhecimento do consumidor, viola o dever de informação. Assim, ao não se deixar claro para o consumidor em quais situações não efetuará o pagamento do sinistro, deverá ser responsabilizada pelo pagamento do capital segurado (TJPR – 10ª C.Cível – 0012942-40.2017.8.16.0069 – Cianorte – Rel.: Desembargador Luiz Lopes – J. 16.03.2020).
Não há dúvidas, portanto, de que essas negativas serão discutidas no Poder Judiciário, que, sensível ao tema, poderá interpretar as cláusulas e condições gerais do seguro de maneira mais favorável ao consumidor, vindo, como consequência, a determinar o pagamento do capital segurado.
Essas ações, no entanto, deverão ser propostas no prazo máximo de 1 ano, contados do evento que deu causa ao pedido de pagamento do seguro, sob pena de prescrição (art. 206, § 1.º, II, “b” do CC).