Penhora Judicial de Criptomoedas
O risco do inadimplemento caminha em conjunto com o próprio ânimo de negociar. Assim, realizar um negócio – compra e venda, aluguel, prestação de serviços… – nem sempre resulta no planejado pelas partes, qual seja, a satisfação mútua mediante o cumprimento dos termos acordados.
Diante disso, a procura pela tutela Estatal visando a correção da quebra contratual – o não pagamento e a não prestação de um serviço, por exemplo – através do ajuizamento de ações judiciais, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, inchando o judiciário e tornando o sistema mais moroso.
Com o aumento dessas demandas, novas ferramentas vêm sendo criadas com o fim de conferir ao credor o que lhe é devido; tais como a penhora virtual de ativos financeiros pelo Banco Central ou a restrição online de veículos por meio de sistema vinculado ao DETRAN.
Todavia, a despeito de tais recursos, o índice de insucesso na satisfação de crédito tem aumentado gradativamente, mostrando ser necessária a criação de medidas mais específicas, tornando a “caça” ao devedor mais voraz e minuciosa.
Neste sentido, é razoável cogitar a hipótese da penhora de criptomoedas, assunto ainda muito controvertido e ainda assim já abordado pela corte Paulista em recente decisão, na qual o Des. Relator julgou não haver óbice “para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”; abrindo importante caminho no concernente ao combate do inadimplemento.
Em razão disso, buscaremos esclarecer alguns pontos necessários para a compreensão desses recursos, bem como da possibilidade de sua penhora na via judicial.
Criptomoeda – o que é?
Ou moedas virtuais, são meios descentralizados de troca que se operam através de cadeias de transações criptografadas – as blockchains. Ou seja, ao contrário das moedas convencionais, não há uma entidade reguladora que “dita as regras”, pois quem opera essa função é o próprio mercado, mediante as variações da oferta e procura.
Atualmente, na prática, elas vêm sendo utilizadas para a aquisição de bens reais e serviços, aceitas, inclusive, por companhias como Microsoft e eBay; e, ainda, são objeto de operações financeiras através de corretoras ou de forma independentemente.
Embora imateriais, são equiparadas pela Receita Federal a ativos financeiros em razão de seu cunho patrimonial, e por investidores internacionais, a commodities digitais; podendo-se adquiri-las de duas formas: pela mineração (virtual) e compra e venda – através de corretoras (Exchanges) ou independentemente.
De qualquer maneira, antes disso é preciso criar uma carteira, na qual são geradas duas chaves únicas e criptográficas: uma pública e uma privada. A primeira é a que registra as transações na blockchain, enquanto que a segunda é utilizada para armazenar os fundos da carteira.
Vale observar, por fim, que não há a necessidade de validação da identidade do investidor, permitindo assim que as transações sejam realizadas no anonimato.
Dentre as várias criptomoedas existentes, destaca-se a Bitcoin, criada em 2009 por Satoshi Nakamoto e atualmente a moeda virtual mais difundida e valiosa (US$ 11.114,00 hoje) no mundo, consolidada pela crescente aderência de investidores com os mais variados perfis.
Diante dessa popularização, não é raro que pessoas com pouco ou nenhum conhecimento de mercado financeiro se aventurem na compra de Bitcoins, motivando os credores a buscar nessa fonte a satisfação de seus créditos.
Penhora judicial
Em razão da novidade que são as moedas virtuais, pouco ainda se sabe acerca de suas implicações jurídicas e de sua capacidade para garantir eventuais débitos.
Ademais, por não existir um sistema centralizador (como o Bacenjud, que busca valores diretamente nas contas bancárias), deve-se seguir o mesmo procedimento aplicado aos bens móveis, mediante a expedição de ofícios às Exchanges – que manejam os recursos dos investidores – atrás de informações como saldo, carteiras, operações e, cadastros, rastreando o caminho do devedor através da Blockchain.
Entretanto, a materialização destes ativos para o credor ainda é um desafio a ser enfrentado. Isso porque, uma vez confirmada a existência de conta junto a uma dessas corretoras, pode ser necessária a chave privada outrora mencionada, prejudicando a efetivação da penhora.
Outra questão a ser enfrentada é a identidade dos negociadores, que podem ou não revela-la, haja vista a não obrigatoriedade exigida para realizar as operações.
Por essas razões, a penhora desses ativos ainda está em seus primórdios, mas nem por isso se mostra como uma ferramenta pouco viável.
De qualquer maneira, pode-se observar o impacto que o desenvolvimento tecnológico e a constante movimentação econômica exercem sobre o âmbito jurídico – intrinsecamente ligado à sociedade – e é por isso que um bom operador necessita estar atento não só às novidades jurídicas, mas possuir uma visão ampla e crítica, sendo capaz de buscar novas formas de garantir o resultado mais eficaz à demanda.
Natália Brotto – Advogada Formada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito Contratual pela FGV/SP, especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, LLM – Master – em Direito Empresarial pela ISAE/FGV. É coordenadora da Câmara de Direito, Prevenção e Orientação da Associação Comercial do Paraná.
Aleff D. Ribeiro da Silva – Acadêmico de Direito cursando o 5º ano da Pontifícia Unidade Católica, membro integrante da área cível empresarial do Escritório Brotto Advogados.