Tribunal reconhece adquirentes como investidores e reduz valores devolvidos em ‘distrato’
O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu importante decisão na análise de um pedido de desistência unilateral de contrato de aquisição de imóveis. Os autores da ação adquiriram dez unidades imobiliárias em um empreendimento e, posteriormente, requereram a rescisão do contrato, sem que houvesse qualquer descumprimento ou atraso pela construtora.
O Desembargador Relator identificou que a desistência ocorreu por mera vontade dos adquirentes, que realizaram o negócio com o caráter de investimento e não obtiveram o retorno financeiro esperado. Assim, determinou a aplicação das regras previstas no contrato, assegurando à construtora a retenção de 30% das parcelas pagas, nos seguintes termos:
“RESCISÃO CONTRATUAL. Compromisso de compra e venda. Adquirentes-investidores que adquiriram 10 unidades de empreendimento da incorporadora-ré. Desistência dos negócios, por não se mostrarem mais vantajosos. Ausência de imputação de culpa à vendedora. Análise do atual contexto econômico do setor imobiliário. Distratos que agravam a situação de crise do setor. Devolução de quantias pagas que se deve dar nos termos do contrato. Acertamento apenas no que diz respeito ao prazo de devolução, que deverá ser feito em 10 parcelas. Aplicação isonômica da Súmula TJSP nº 2. Atendimento das súmulas TJSP nº 1 e 3 e STJ nº 543. Kit acabamento (ou personalização). Retenção. Impossibilidade. Devolução que deve se dar sob os mesmos critérios. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. Incidência. Juros desde o trânsito em julgado. Precedentes STJ. Correção monetária desde o ajuizamento da ação. Art. 1º §2º da Lei 6.899/81. Apelação provida em parte, para julgar parcialmente procedente a ação”
Do voto do Relator, vale destacar:
“A controvérsia deve ser analisada à luz do atual contexto econômico brasileiro, da jurisprudência que não vê abusividade na retenção de 30% dos valores pagos para a hipótese de desfazimento do negócio por iniciativa do adquirente, sem culpa da vendedora, e, do real interesse dos apelados neste nítido investimento.
O mercado imobiliário está congelado, situação agravada pela crise econômica que se vem acentuando. Muitos adquirentes que compraram seus imóveis por volta de 2012 e estão pagando as parcelas do financiamento com as construtoras estão encontrando dificuldades para adimplir suas obrigações. O quadro é mais grave quando é a construtora que não está conseguindo executar a obra nas condições e prazo pactuados no contrato.
Como resultado, há uma avalanche de ações versando sobre distratos de compromissos de compra e venda, cujos pedidos devem ser analisados com cuidado, para evitar a quebra das construtoras com o excesso de rescisões e, pior, condenações à devolução de valores em percentual maior do que a prevista em contrato. Aliás, sempre distantes do preço atual do objeto (o imóvel).”
O voto também possibilitou que a devolução fosse feita de forma parcelada, e não à vista:
“No caso, diferentemente da situação do adquirente de uma só unidade, para moradia, que deve receber as quantias a serem devolvidas de uma só vez, os apelados adquiriram 10 unidades do empreendimento da apelante, de forma que a devolução de que ora se trata deverá ser feita em 10 (dez) parcelas.”
O Relator também citou artigo do advogado Rodrigo Bicalho, do Conselho Jurídico do Sinduscon-SP, explicando os efeitos econômicos dos ‘distratos’ indiscriminados:
“os ‘distratos representam o meio atual pelo qual consumidores, inadimplentes ou não, recorrem, em massa, ao Poder Judiciário com a finalidade de encerrar abruptamente as obrigações contratuais celebradas com a incorporadora, relativizando, de uma maneira preocupante, o vínculo contratual. Mais do que isso: o desfazimento em massa de compromissos de compra e venda de um mesmo empreendimento coloca em risco a possibilidade de ele se realizar, em detrimento daqueles consumidores que, de fato, querem a conclusão da obra com a entrega de suas respectivas unidades‘.”
Esta decisão representa um importante precedente para o setor imobiliário. Conforme já relatamos aqui, o próprio Presidente da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, Arthur Rollo, havia alertado em evento no STJ que é fundamental “distinguir o ‘distrato-necessidade’ do ‘distrato especulação”. Autos: Recurso de Apelação nº 1116739-74.2016.8.26.0100.
[…] Via: Ricardo Campelo Advogados […]