A Política Urbana e seu Impacto no Mercado Imobiliário
INSTRUMENTOS PODEM INTERFERIR NOS PREÇOS DE IMÓVEIS E AFETAR O DESENVOLVIMENTO URBANO
A Constituição brasileira de 1988 atribuiu ao Poder Público Municipal a execução da política de desenvolvimento urbano, cujo objetivo é de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Na mesma Carta, estabeleceu-se o Plano Diretor (obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes) como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
Como a Constituição outorgou à União a competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, foi promulgada, em 2001, a Lei nº 10.257, que ficou conhecida como o ‘Estatuto da Cidade’, e que estabeleceu normas a serem observadas pelos Municípios na execução da política urbana.
No sentido de promover a organização conveniente dos espaços habitáveis e edificáveis, atentando à função social da propriedade, o Estatuto da Cidade estabeleceu uma série de instrumentos a serem utilizados pelo Poder Público Municipal, como, por exemplo, o IPTU progressivo, o parcelamento e edificação compulsórios, e a outorga onerosa do direito de construir.
Sobre este último instrumento, que já existia na prática em algumas legislações municipais, sob a denominação de ‘solo criado’, é importante fazer algumas considerações. Este conceito, derivado do direito estrangeiro e utilizado no Brasil desde a década de 70, implica na definição de um coeficiente de construção básico para determinada região da cidade, ou seja, uma área máxima edificável, estabelecida com base na metragem do terreno. O solo criado, portanto, seria toda a área de construção acima do coeficiente básico, e cuja autorização fica condicionada a contrapartidas impostas ao proprietário.
Aperfeiçoando este conceito, o art. 28 do Estatuto da Cidade criou a ‘outorga onerosa do direito de construir’, instrumento que permite ao Município exigir contrapartida do beneficiário que desejar construir “acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado”. No caso de Curitiba, o mecanismo foi devidamente estabelecido no Plano Diretor aprovado em 2015, como um dos instrumentos para ordenar o desenvolvimento urbano, consignando que a lei de zoneamento definirá os coeficientes e a forma de cálculo da contrapartida.
É importante que a Lei de Zoneamento, a ser discutida este ano, traga regras razoáveis a respeito da aplicação da outorga onerosa do direito de construir, para não repetir o que ocorreu em São Paulo. A lei paulistana estabeleceu, para várias áreas da cidade, coeficiente único, correspondendo à própria metragem do imóvel como área máxima edificável. Portanto, praticamente toda construção com mais de um pavimento já estará sujeita ao pagamento da contrapartida, cujo cálculo foi quantificado de forma bastante onerosa.
A imposição de contrapartidas muito custosas pressionará, de forma direta, o custo de edificar, impactando no preço final dos imóveis, o que representará, certamente, um entrave no desenvolvimento urbano da cidade.
Por conta destes impactos, a definição da legislação urbanística demanda uma reflexão bastante ampla. É fundamental que se promovam diálogos entre a administração municipal e as lideranças do setor imobiliário, que conhecem, melhor do que ninguém, o impacto que novos custos podem trazer na já bastante onerada cadeia produtiva da construção. Também não se pode deixar de considerar o ponto de vista da população, cuja voz foi definida como um dos principais legitimadores da política urbana pelo próprio Estatuto da Cidade.
(Artigo Publicado na Revista Imóvel Magazine, edição junho/junho de 2017)