Impenhorabilidade do Imóvel de Família: Novos Contornos
Artigo publicado na Revista Imóvel Magazine, edição dezembro de 2015/janeiro de 2016
Desde 29 de março de 1980, vige no Brasil a Lei nº 8.009, que trata sobre a impenhorabilidade do bem de família. O diploma estabelece que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza”.
A regra é um corolário dos princípios constitucionais da proteção à família e do direito à habitação. Ou seja, como forma de proteger a entidade familiar e fortalecer a moradia como direito fundamental, a lei vedou que o imóvel em que reside a família seja objeto de constrição para o pagamento de dívidas contraídas pelos cônjuges ou pelos seus filhos que nele residam.
Como se sabe, a proteção que a Lei nº 8.099/1980 estabeleceu não é absoluta. Da própria lei, consta a principal exceção, que diz respeito às dívidas do financiamento obtido para a construção ou aquisição do imóvel. Assim, o bem pode ser penhorado pelo agente financeiro ou retomado pelo próprio vendedor do imóvel, caso o comprador não honre com as prestações de preço contraídas, ainda que isto implique em despejo da família em que lá reside.
Também na lei, definem-se exceções para a impenhorabilidade na cobrança de débitos relativos a “impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”, dispositivo cuja interpretação foi estendida para contemplar as despesas condominiais da respectiva unidade imobiliária.
Nem todas as respostas estão na lei, entretanto. Os tribunais superiores do país vêm tendo bastante trabalho para preencher as lacunas deixadas pelo legislador. De início, cite-se que, em 2008, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 364, consagrando o caráter amplo do conceito de “entidade familiar”, a fim de proteger também os imóveis pertencentes a pessoas separadas, viúvas ou mesmo solteiras (incluindo as solitárias).
Em 2010, o STJ proferiu importante precedente, infirmando que para que o imóvel seja impenhorável, basta que o devedor nele resida com sua família, independentemente do valor e do padrão do bem – afastando, assim, a pretensão de credores que buscavam descaracterizar a natureza familiar de determinado imóvel alegando ser muito valioso.
Outra questão elucidada pelo STJ diz respeito ao débito de contrato de locação exigido do fiador. Embora a própria Lei nº 8.009/1990 ressalvasse expressamente a penhorabilidade do imóvel familiar do fiador locatício, o dispositivo foi questionado judicialmente por anos, até que, em outubro do corrente ano, o tribunal consolidou seu entendimento e editou a Súmula nº 549, reconhecendo a legitimidade da exceção em questão e afastando a impenhorabilidade.
Por fim, é de se referir outra recente decisão do STJ, proferida também em outubro, que desconstituiu a penhora do imóvel pertencente a uma mãe que o oferecera em garantia contratual para uma dívida contraída pelo filho. Ao julgar o caso, a 4º Turma do tribunal entendeu como irrenunciável o direito da mãe à impenhorabilidade do imóvel familiar, ainda que ela tenha voluntariamente oferecido o bem em hipoteca no contrato de empréstimo que gerou a dívida.
Como se vê, o assunto em análise é mais um daqueles em que não se consegue encontrar todas as respostas da simples análise do texto legal. Portanto, é de suma importância, especialmente para quem recebe um imóvel em garantia de dívida, realizar uma análise jurídica bastante abalizada, a fim de verificar se a constrição do imóvel se sustentaria diante de questionamentos argumentando pela impenhorabilidade do bem.
Ricardo Campelo é advogado especialista em direito imobiliário, assessor jurídico da ADEMI-PR, e sócio-fundador do escritório Ricardo Campelo Advogados