O despejo liminar por falta de pagamento
Por Filipe Kuss e Pedro Camargo
Como em qualquer outra relação econômica, as partes de um contrato de locação de imóvel possuem interesses particulares a serem defendidos a partir das cláusulas por elas pactuadas.
Nesse sentido, por mais que a legislação excêntrica[1] aplicável às relações locatícias abra largas margens para a livre negociação entre as partes, essa mesma lei também dispõe regras expressas, cuja inobservância pode ensejar, inclusive, a nulidade de cláusulas pactuadas.
Sob a ótica do proprietário locador, a qual se aborda nesse artigo, vale dizer, apesar das garantias disponíveis, o risco do negócio é acentuado, ainda mais em um cenário de crise econômica na qual se tem cerca de 12 milhões de desempregados e mais de 60 milhões de pessoas inadimplentes com nome inserido no cadastro de proteção ao crédito, conforme números levantados pelo Serasa Experian em Junho de 2018[2].
Portanto, a correta estruturação do instrumento a ser assinado possui suma importância para que eventual resolução se dê da maneira mais satisfatória e célere possível ao locador, no caso de violação das cláusulas contratuais, tanto para viabilizar a retomada da posse do imóvel quanto para receber eventuais locativos inadimplidos.
A Lei nº. 8.245/1991 – Lei de Locações – configura de maneira expressa, como causa bastante para a rescisão do contrato, a falta de pagamento por parte do inquilino, vide seu art. 9º, III.
A falta de pagamento, por sua vez, apenas se caracteriza a partir do momento em que o locatário deixa de realizar o pagamento do aluguel e encargos locativos de maneira pontual, seja no prazo acordado ou, caso não se faça menção a ele, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido (art. 23, I da mesma Lei).
Assim, configurada a inadimplência do locatário, fica caracterizada a violação contratual e, portanto, autorizada a ação de despejo.
Diante da conjuntura proporcionada pela Lei nº 12.112/2009, que incluiu no art. 59, §1° da Lei nº. 8.245/1991 o inciso IX[3], o locador pode estipular, ainda na fase negocial do instrumento locatício, cláusulas que garantam o sucesso de eventual pedido liminar de despejo, o que, por certo, é o mais interessante a ele, podendo postergar a cobrança dos aluguéis para ação distinta exclusiva para tanto.
Dessa maneira, a liminar de despejo surge como medida passível de amenização dos prejuízos suportados pelo locador em decorrência do inadimplemento do locatário.
No entanto, o próprio dispositivo que a prevê, dispõe um grande entrave à concessão dos pedidos liminares de despejo por falta de pagamento, uma vez que impõe ao locador que não exista garantia pactuada, dentre aquelas previstas no art. 37 da Lei de Locações (caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento).
Assim, o locador se vê numa situação delicada, uma vez que, para contar com a certeza do despejo liminar no caso do inadimplemento do locatário, precisaria abster-se da previsão contratual garantidora de caução, fiança, seguro da fiança locatícia ou ainda de cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Além disso, para concessão da liminar de despejo por falta de pagamento, a Lei impõe que o Locador deposite em conta judicial vinculada aos autos o valor equivalente a três meses de aluguel, a título de caução.
Em que pese haja precedentes jurisprudenciais[4] no sentido de permitir o despejo liminar no caso da garantia prestada tornar-se insignificante em comparação ao débito atualizado, o locador, muitas vezes, não pode se permitir a aguardar que o seu prejuízo tome proporções tamanhas para, aí então, conseguir a retomada do imóvel de sua propriedade.
Desta forma, desde a última alteração na legislação aplicável às relações locatícias, os locadores de imóveis devem se atentar, antes da assinatura do contrato para as especificidades do caso, especialmente, do candidato a inquilino, a fim de identificar o que lhe seria mais proveitoso: (a) ter uma das garantias previstas em no art. 37 da Lei de Locações, ou (b) ter a certeza da concessão do despejo liminar em eventual falta de pagamento do locatário.
Em outras palavras, é na fase negocial que o locador definirá os riscos que pretende assumir em relação ao eventual inadimplemento de seu inquilino.
Na falta de pagamento de aluguéis, caso o contrato preveja alguma garantia, o Locador deverá ajuizar ação, arcando com as respectivas custas processuais para, somente após o deslinde do processo judicial, obter a ordem de despejo do inquilino e poder ir atrás da garantia para satisfazer seu crédito ou até mesmo em ação cumulada. Por outro lado, na hipótese de não haver previsão contratual de garantia, a probabilidade do recebimento dos valores devidos diminui, entretanto, logo que o proprietário propõe a ação, arcando com as custas que dela decorrem, poderá ter o seu imóvel novamente disponível para outra locação.
Sem prejuízo às demais formas de garantia legalmente previstas que o locador pode exigir na contratação com o locatário, a considerar as vantagens decorrentes de se obter um despejo liminarmente, como por exemplo a imediata recolocação do imóvel no mercado, a dispensa de garantia passa a ser uma possibilidade a ser estudada quando esta se mostrar insuficiente ou vulnerável.
De qualquer forma, nesse cenário, o locador estará tomando riscos já identificados, isto é, saberá quais medidas terá à mão na hipótese de falta de pagamento da outra parte, mas, além disso, o proprietário poderá confeccionar já na minuta suas possibilidades, por assim dizer, observando os limites impostos pela legislação.
[1] Lei nº. 8.245/1991. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8245.htm
[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/07/19/numero-de-inadimplentes-chega-a-618-milhoes-e-bate-recorde-diz-serasa.ghtml
[3] Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
- 1º Conceder – se – á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:
IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
[4] (TJ-SP – AG: 1846654020128260000 SP 0184665-40.2012.8.26.0000, Relator: Dimas Rubens Fonseca, Data de Julgamento: 04/12/2012, 27ª Câmara de Direito Privado); (TJ-PR – AI: 15147601 PR 1514760-1 (Acórdão), Relator: Mario Nini Azzolini, Data de Julgamento: 03/08/2016, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1863 15/08/2016)