Garantias e Vida Útil das Edificações
Artigo publicado na Revista Imóvel Magazine, edição agosto/setembro de 2015
O cenário é bastante comum: faltando alguns meses para se completar o quinto ano da entrega de um empreendimento imobiliário, a construtora passa a receber chamados dos moradores e do síndico para reparar defeitos na construção. A preocupação dos moradores é de aproveitar o prazo de garantia, que, de acordo com a lei, se estende por cinco anos a contar do recebimento do imóvel. Essa forma de agir é lícita, mas é importante que se conheçam as diferentes modalidades de garantia, além de se valorizar responsabilidade do usuário pelo uso correto e pela manutenção do imóvel.
Garantia é um instituto jurídico que resguarda o contratante ou consumidor contra riscos que se manifestem após o negócio firmado. O prazo pode ter natureza legal, quando decorrente de imposição por lei, ou contratual, quando estabelecido por vontade das partes.
O principal prazo de garantia legal para a construção civil foi estatuído no art. 618 do Código Civil, que impõe ao construtor a responsabilidade por defeitos que comprometam a “solidez e segurança” da obra, pelo prazo de cinco anos. Mas há que ser considerada ainda a garantia legal instituída pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 26) quanto a vícios aparentes, que vige por 90 (noventa) dias. Em caso de vícios ocultos, o prazo se inicia no “momento em que ficar evidenciado o defeito”.
De outro lado, a garantia contratual é uma faculdade a ser exercida por livre e espontânea vontade do construtor. Usualmente, a empresa estabelece prazos específicos para itens não cobertos pela garantia legal de “solidez e segurança”, tais como pintura e impermeabilização, ou para componentes específicos como esquadrias de janelas, por exemplo.
A NBR ABNT 15575, conhecida como “Norma de Desempenho”, da qual já tratamos neste mesmo espaço, apresentou uma tabela de recomendação para prazos mínimos de garantia contratual, referente a sistemas e componentes não abrangidos pela garantia legal de “solides e segurança”. A adoção desta tabela pelo construtor não pode ser considerada obrigatória, mas como um “manual de boas práticas”, não vinculante para o setor.
Outra novidade da Norma de Desempenho foi a formalização do conceito de “vida útil” da edificação, definido como o “período de tempo em que um edifício e/ou seus sistemas se prestam às atividades para as quais foram projetados e construídos”. Ou seja, restou referendado o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp nº 984.106-SC, que consagrou a ideia de que o fornecedor pode responder depois de decorrido o prazo de garantia legal ou contratual, devendo assegurar que o produto apresente durabilidade razoavelmente compatível com o prazo de vida útil “que dele se espera”. A Norma ainda estabeleceu valores mínimos de Vida Útil de Projeto para os diferentes sistemas da obra, conforme consta da Tabela nº 14.1, constante da Parte 1 do documento.
Em todos os casos, é importante que o próprio usuário da edificação observe que também possui deveres a serem cumpridos. A mesma Norma de Desempenho reforça que a atuação do usuário é fundamental para que a edificação apresente a qualidade e o desempenho esperados, reforçando a “importância da realização integral das ações de manutenção pelo usuário, sem o que se corre o risco da Vida Útil não ser atingida”. Ou seja, o comportamento do usuário foi definido de forma expressa e destacada como um dos elementos fundamentais para que a edificação atenda os níveis de desempenho e a vida útil para os quais ela foi projetada. Assim, caso se prove que houve mau uso ou manutenção insuficiente por parte do usuário, o construtor estará isento de responsabilidade por patologias (mesmo dentro do prazo de garantia) ou pelo não atendimento dos níveis de desempenho e vida útil da edificação e de seus sistemas.
Um bom comprometimento do usuário com a manutenção periódica e o uso correto da edificação, tanto nas áreas privativas quanto nas áreas comuns, evita o aparecimento de uma série de problemas construtivos, reduzindo as reclamações e os litígios com as construtoras, e diminuindo o trabalho de ambas as partes quanto à verificação de defeitos nos imóveis.