Patrimônio de afetação: vantagens para as construtoras e para os adquirentes
O final da década de 1990 foi um período difícil para o mercado imobiliário. Um fator em especial contribuiu para despertar a desconfiança do consumidor em comprar unidades imobiliárias na planta: a derrocada da incorporadora Encol, que deixou R$ 2,5 bilhões de reais em dívidas e mais de 42.000 famílias sem receber o imóvel adquirido.
A Encol apresentou um crescimento meteórico nos anos 90, multiplicando incessantemente o número de lançamentos, até chegar ao ano de 1994 com 632 obras inacabadas pelo Brasil. Além dos procedimentos fraudulentos que viriam a ser descobertos futuramente, o que proporcionou este crescimento insustentável da incorporadora foi o procedimento de alavancar novos lançamentos com o faturamento de vendas de unidades de obras em andamento – a chamada “pedalada” de receitas.
Com o intuito de evitar este problema, e de mitigar a desconfiança dos brasileiros com a compra de unidades imobiliárias de empreendimentos em construção, foi publicada, em 2004, a Lei nº 10.931, criando o instituto do “patrimônio de afetação”.
A adoção do patrimônio de afetação, de caráter opcional, tem efeitos bastante claros: isola-se o patrimônio correspondente ao empreendimento em questão, tornando-o incomunicável com os outros bens, direitos e obrigações da incorporadora. Assim, as receitas da aquisição das unidades imobiliárias só podem ser utilizadas pela incorporadora para cobrir despesas relacionadas ao próprio empreendimento. O patrimônio relativo à obra, por sua vez, fica protegido e não pode ser utilizado para saldar eventuais dívidas contraídas pela empresa em outras obras ou atividades.
Desta forma, se uma incorporadora que adote o patrimônio de afetação em seus empreendimentos vier a se encontrar em estado falimentar ou de insolvência, os adquirentes teriam seus direitos preservados. A lei permite que uma comissão de representantes dos delibere pela contratação de outra construtora para finalizar a construção, ou a liquidação dos bens relativos à obra com o rateio proporcional, pelos compradores, da renda obtida.
Se a idéia era muito boa no papel, na prática teve pouca adesão pelo mercado nestes nove anos de vigência da lei. O pouco conhecimento das vantagens por parte do consumidor e a ausência de vantagens significativas para o empreendedor tornaram pouco atraente a sua utilização pelas incorporadoras.
Uma nova iniciativa do Poder Legislativo promete mudar este quadro. Em 19 de julho, foi promulgada a Lei nº 12.844/2013, revigorando dispositivos trazidos pela Medida Provisória nº 601/2012. A Lei reduz para 4% a alíquota do RET – Regime Especial de Tributação, sistema válido para as obras com patrimônio afetado, e que responde pelo pagamento total da tributação federal incidente (IRPJ, CSLL, Pis e Cofins) sobre a receita de venda das unidades imobiliárias.
Trata-se, enfim, de uma vantagem considerável para a incorporadora. A redação original da Lei havia errado feio ao estabelecer uma alíquota de 7% para o RET, tornando a tributação ainda maior do que a encontrada pelo lucro presumido – esta em torno de 6,73% para os mesmos tributos federais. A redução da alíquota para 6% em 2009 ajudou, mas não foi suficiente para convencer os empresários a adotar o regime, já que a mínima vantagem tributária não compensava a assunção de novas obrigações e limitações. Com o novo benefício, a adoção do Regime de Tributação Especial com alíquota de 4% representa uma tributação federal quase 40% menor do que a calculada pelo lucro presumido.
Tal importante vantagem tributária impacta no preço das unidades colocadas à venda, e representa um diferencial competitivo para as incorporadoras, compensando as obrigações e as limitações trazidas por conta do patrimônio de afetação. Por esta razão, já está sendo observado um significativo aumento no número de obras afetadas, mesmo que a opção seja feita no curso da obra ou mesmo perto de sua conclusão – o que é permitido pela lei. Uma novidade boa para as construtoras, na medida em que reduz o custo da obra, e boa para os consumidores, que podem ficar mais tranqüilos ao adquirir imóveis na planta.
Ricardo Campelo